Conversa pra Sapo Ouvir

A moça vai à festa, mas eu vou ficar aqui, sozinho. Não me incomodo, eu prefiro. Não gosto de formalidades sociais, gente arrumada, aquela conversa toda. A moça vai à festa, mas eu vou ficar aqui sozinho.


Sento na varanda, abro o Vinho Chapinha, enrolo o cigarro e fico encarando as lagartixas. O sapo chega e eu digo “boa noite”. O sapo coaxa. Vida de sapo é muito boa; muitas aleluias agora que choveu. Os grilos cantam, o sapo coaxa e o besourão se arrebentar na lâmpada.


A moça já deve estar na festa. Pior pra ela, cheia de pintura. Tão menos bonita naquelas roupas esquisitas, desconfortáveis, salto alto. “Por que você não vem comigo na festa”? Ela perguntou. Não gosto de formalidades, gente arrumada, aquela conversa toda. Não gosto de usar camisa pra dentro da calça, sapato, bebida fina, uísque. Com meia hora já quero voltar pra trás.


Prefiro ficar aqui sozinho. Sozinho não, o sapo tá ali, comendo as aleluias. As lagartixas também comem as aleluias. E o besourão peleja pra se virar. Se bobeia, o sapo acaba comendo ele também.


O Jasmim perfuma a casa toda. Tão melhor que esses perfumes de festa. Lá deve estar todo mundo perfumado, cada um com um cheiro diferente. Nem deve dar pra saber qual cheiro é de quem. Não gosto de perfume. Prefiro meu cheiro mesmo. Ou o cheiro do jasmim, ou da chuva. Até o cheiro do sapo é melhor. Se engana quem pensa que sapo fede. Sapo cheira a sapo.


A moça uma vez me deu um perfume. Eu disse “pra quê”? Pra ficar cheiroso, ela disse. Por acaso eu fedo? Nunca usei. Ela não precisa de perfume, bom é o cheiro dela mesma. Deve estar lá, na festa, toda perfumada.


O besourão se virou e foi outra vez se arrebentar na lâmpada. Bicho burro. Eu também sou burro, eu acho. Porque todo mundo diz que eu vou perder a moça, se não mudar meu jeito. Mas eu gosto do meu jeito. Acho que eu gosto mais do meu jeito do que gosto da moça.

Porque a moça me conheceu aqui, desse jeito. Era festa também, mas diferente. Pouca gente, só os amigos, todo mundo simples, sem perfume, vinho de garrafão. Ficamos sentados, aqui na varanda, encarando as lagartixas. A moça tem medo de sapo, queria que eu matasse. Não mato. Sapo não faz mal pra ninguém.


Ela me chama de bicho do mato e pergunta se eu nunca vou mudar. Acho que ela já deveria saber que nunca vou mudar e que eu sou um bicho do mato. Eu gosto do mato, gosto do sapo, das lagartixas, do besourão. Gosto até das aleluias. Prefiro do que gente.


Lá vai o besourão se arrebentar outra vez na lâmpada. O sapo vai acabar comendo ele.